Maior carga genética de ancestralidade indígena eleva risco de insuficiência hepática

Uma pesquisa conduzida pela Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) envolvendo 1.274 pacientes em sete países latino-americanos revelou que a maior carga genética de ancestralidade indígena está associada a um aumento no risco de cirrose grave e insuficiência hepática. Os resultados indicam que a ancestralidade genética pode estar relacionada a uma resposta inflamatória mais intensa no fígado, e futuras investigações poderão identificar os genes envolvidos nesse processo. As conclusões do estudo foram publicadas em um artigo na revista científica Gastroenterology.

A insuficiência hepática é uma das manifestações da cirrose grave e afeta praticamente todos os órgãos. Os pacientes podem apresentar fadiga, icterícia (coloração amarela nos olhos), acúmulo de líquido, sangramentos, alterações neurológicas, infecções e um maior risco de câncer de fígado. O professor Alberto Farias, que coordenou o estudo juntamente com o professor Flair José Carrilho no Departamento de Gastroenterologia da FMUSP, explica que, na fase inicial, uma pessoa pode não apresentar sintomas ou ter sintomas inespecíficos, conhecida como cirrose compensada. No entanto, é necessário que ocorra uma lesão ou destruição intensa do órgão para que as manifestações típicas surjam.

A cirrose pode ter diferentes causas, sendo um equívoco comum pensar que o álcool é a principal delas. As hepatites crônicas causadas por vírus e a esteatose hepática (fígado gorduroso) também são reconhecidas como importantes causas de cirrose na população. Farias destaca que a cirrose é responsável por uma em cada 25 mortes no mundo, com cerca de 2 milhões de casos, e é a sexta causa mais comum de morte no Brasil.

O estudo, denominado Prevalência, Epidemiologia, Caracterização e Mecanismos da Síndrome de Falência Aguda sobre Crônica do Fígado (Aclara), contou com a participação de 150 pesquisadores de 44 hospitais em sete países latino-americanos (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Paraguai e Peru). Ele investigou o impacto da ancestralidade genética e racial na cirrose agudamente descompensada grave, uma condição caracterizada por inflamação, falência de órgãos e alto risco de mortalidade em curto prazo. O estudo foi promovido e patrocinado pela Fundação Europeia para Estudo do Fígado (EF-CLIF), sediada em Barcelona, Espanha.

Durante quatro anos, foram recrutados 1.274 pacientes para a pesquisa, comparando um grande número de genes de pessoas com ascendência nativo-americana (indígena) com grupos de ascendência europeia e africana, todos com cirrose agudamente descompensada. Farias ressalta que o estudo não se limitou apenas ao registro de características raciais, uma vez que uma pessoa pode ter traços físicos de uma raça e parte da carga genética de outra, o que é comum em países latino-americanos devido à miscigenação de povos.

Os resultados mostraram que a cada 10% de ancestralidade nativo-americana (DNA de origem indígena), o risco de desenvolver uma forma grave de cirrose aumenta em 8%. Por exemplo, uma pessoa com 20% de ancestralidade nativo-americana teria um risco aumentado em 16% e assim por diante. Farias destaca que qualquer pessoa com ancestralidade genética indígena se enquadra nesse perfil, muitas vezes sem saber.

O estudo também avaliou se esses resultados refletiam apenas a desigualdade de acesso a hospitais de alta qualidade. No entanto, observou-se que a ancestralidade genética foi o fator determinante, indicando que provavelmente está relacionada ao desencadeamento de uma resposta inflamatória mais intensa no fígado. O próximo passo da pesquisa será estudar detalhadamente os genes envolvidos nesse processo e propor terapias mais específicas.

De acordo com Farias, a possibilidade de identificar pessoas com maior risco de desenvolver formas graves de cirrose pode ser considerada em futuros programas de medicina de precisão. Essa abordagem personalizada do cuidado médico, com base nas características de cada indivíduo, resulta em diagnósticos mais precoces, tratamentos mais eficazes e, em última análise, um menor risco de morte. Além do benefício para o paciente, a medicina de precisão pode influenciar políticas públicas e levar a uma redução nos custos do sistema de saúde.

Farias também destaca que a quantidade de casos de cirrose poderia ser drasticamente reduzida com acesso a informações de qualidade. Campanhas educativas sobre os riscos do álcool e seu consumo moderado, testes para detecção de hepatites virais e vacinação, além de um estilo de vida saudável com controle de peso, poderiam ajudar a reduzir as estatísticas relacionadas à cirrose. Ele ressalta que poucas pessoas sabem que o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece testes e tratamento gratuitos para as hepatites virais.

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