Cidades inteligentes para pessoas

Nas últimas décadas o conceito de cidades inteligentes (Smart Cities) foi difundido como uma alternativa que resolveria todos os problemas oriundos do aumento populacional nas áreas urbanas. É como se num passe de mágica as cidades tivessem um aparato tecnológico para tornarem-se socialmente coesas, ambientalmente responsáveis e economicamente dinâmicas e prósperas. A fórmula da sustentabilidade pronta.

Aliás, esse discurso passou a fazer parte da agenda política, pois a cada dia cresce mais o número de cidadãos que cobram as instituições políticas sobre um posicionamento coerente e efetivamente viável. Usaram tanto o termo sustentável que o conceito banalizou as ações. 

Vale lembrar que, segundo dados da Organização das Nações Unidas (2016), mais de 70% da população mundial viverá nas cidades até 2050. Esta informação traz a certeza de que é no espaço urbano que os problemas estarão ainda mais concentrados e, claramente, há que se pensar em ações agora que determinem o que vamos ter daqui a 20 ou 30 anos. 

O avanço de conhecimento baseado na tecnologia de informação e comunicação trouxe um possível alento para resolver os conflitos gerados pelas interações e pelos interesses plurais dos territórios. É por isso que, há algum tempo, temos escutado muito sobre transformar as cidades em ambientes inteligentes. 

De fato, muito foi criado com investimento em pesquisa e novos contextos, otimizando o funcionamento das cidades. A cada dia aparecem mais produtos que promovem a organização inteligente do trânsito, tornam locais mais seguros por meio de monitoramento, controlam a qualidade do ar, agilizam o acesso aos sistemas de saúde, etc. Aparentemente já temos solução para tudo. 

Embora, aparentemente, já tenhamos solução para quase tudo, é imprescindível entender que as cidades estão sendo alteradas em âmbito político e social. Os espaços de interação, inclusão e participação tornaram-se raros, dificultando a promoção de diversidade e do uso coletivo da cidade. 

A cidade de Songdo, Coréia do Sul, é um dos projetos mais caros do mundo com o objetivo de aplicar tecnologia e conhecimento disponível para criar um espaço 100% sustentável. Trânsito com ênfase em meios de baixa emissão de carbono, tráfego controlado virtualmente, prédios com gestão automatizada de água e energia, segurança feita por computadores, telas de vídeoconferência em todas as residências para facilitar a comunicação e lixo coletado automaticamente por dutos que transportam até uma estação de tratamento são algumas das ações que já funcionam nesta cidade. O que falta? Pessoas. A cidade tem problemas para atrair moradores. 

Ordos, na China, é outro exemplo de cidade inteligente que sofre com a falta de moradores. Construíram milhares de apartamentos que agora encontram-se vazios devido ao elevado valor dos empreendimentos imobiliários, fruto de erros de planejamento urbano e apostas em um sistema que tem dificuldade de entender pessoas. 

Infelizmente o que une estas e outras experiências é que esses projetos de cidades inteligentes serviram apenas como palco para empresas privadas mostrarem ao mundo seus produtos. Atualmente é comum ver cidades ao redor do mundo concorrendo para mostrar que são mais inteligentes que outras. Não há preocupação para que toda essa inteligência pode ser usada para beneficiar pessoas. De acordo com geógrafo inglês David Harvey, “estamos criando cidades para investir, não para viver”. 

Neste cenário, onde empresas continuam a ditar a construção das cidades, chegaremos a um futuro com problemas similares aos atuais. Tanta tecnologia e conhecimento não estão ativando o processo coletivo de transformar verdadeiramente as cidades. 

Um exemplo positivo é o caso da União Europeia, que avançou substancialmente com a política de especialização inteligente dos territórios. Um processo inverso, baseado na inclusão e participação dos múltiplos agentes envolvidos no desenvolvimento territorial. Já no princípio uma rede de parceiros é ativada com intenção de promover inovação e aumentar a competitividade local, respeitando as potencialidades indicadas de forma coletiva. Os resultados dos projetos inseridos na estratégia Europa 2014-2020 trazem resultados incríveis e transformadores que merecem ser conhecidos. 

Acredito que já temos inteligência disponível suficiente para avançar em qualquer tipo de projetos. Talvez precisamos orientar o discurso e muito mais as ações para promover mais do que cidades artificialmente inteligentes, é fundamental que toda essa capacidade seja orientada verdadeiramente para beneficiar as pessoas.

Djan Hennemann é publicitário e mestre em planejamento de cidades.

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