Emendas Pix jogam 12% do investimento federal no escuro

Com a introdução das emendas parlamentares conhecidas como “Pix”, que, assim como as transferências bancárias, facilitam a inclusão de despesas no Orçamento por deputados e senadores, 12% dos investimentos do governo federal nos últimos dois anos têm destino desconhecido.

De acordo com os balanços do Tesouro Nacional, que registram R$ 118,9 bilhões investidos em 2023 e 2024, R$ 14,3 bilhões provenientes dessas emendas estão classificados simplesmente como “encargos especiais”.

Esse valor só é superado pelos destinados a transporte (R$ 27,8 bilhões) e defesa nacional (R$ 17,3 bilhões). Em seguida, vêm os investimentos em urbanismo (R$ 12,4 bilhões), educação (R$ 10,2 bilhões) e saúde (R$ 8,6 bilhões).

Esses investimentos são gastos em obras de infraestrutura e compras de equipamentos que visam aumentar a capacidade de produção e a prestação de serviços públicos, sendo essenciais para o crescimento sustentável da economia.

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estabeleceu metas de desembolso mínimo para esse tipo de despesa, mas atualmente não se sabe como toda essa expansão foi conduzida. Nem o Tesouro nem a Fazenda quiseram comentar sobre o assunto.

As emendas Pix, chamadas tecnicamente de “transferências especiais” no Orçamento, permitiram que parlamentares enviassem recursos diretamente para prefeituras e, principalmente, governos estaduais, sem a necessidade de convênios ou a identificação de projetos a serem contemplados. Sua execução é obrigatória.

Em outras modalidades de emendas, é possível obter mais informações sobre o uso do dinheiro. Remessas de deputados e senadores para suas bases eleitorais elevaram os investimentos federais em áreas como urbanismo, uma atribuição mais típica dos municípios, além de educação e saúde, por exemplo.

As emendas Pix, uma herança da entrega das chaves do Orçamento ao Congresso por Jair Bolsonaro (PL) para garantir sua governabilidade no final do mandato, têm sido foco de uma grande disputa envolvendo os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.

Em 1º de agosto, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, ex-ministro da Justiça de Lula e indicado pelo petista para a corte, suspendeu todas as emendas parlamentares até que critérios de transparência e rastreabilidade fossem implementados. No caso das emendas Pix, ele determinou uma auditoria separada.

Suspeitando de uma aliança entre Dino e Lula, que busca retomar o controle que considera excessivo do Orçamento por parte dos parlamentares, o Congresso ameaçou retaliar o governo.

O presidente cedeu, liberando as emendas bloqueadas, e os deputados e senadores passaram a elaborar um projeto de lei para regular a prática, que foi aprovado em novembro.

Enquanto isso, surgiram vários relatos sobre o uso das emendas Pix e outras para beneficiar prefeituras de parentes e redutos eleitorais de maneira opaca. A Polícia Federal investiga diversas suspeitas de desvio de recursos.

Em 2 de dezembro, o ministro do STF decidiu liberar os pagamentos, mantendo algumas ressalvas. No caso das Pix, elas só podem ser liberadas com um plano de trabalho prévio e a indicação das contas bancárias das prefeituras onde os valores serão depositados.

Para as emendas ainda pendentes, anteriores a 2025, os autores terão 60 dias para apresentar justificativas e detalhamento dos projetos. No fim do ano, Dino voltou a suspender alguns pagamentos, afetando até a base do então poderoso presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

O próximo round da disputa ocorrerá em 27 de fevereiro, quando Dino receberá a nova liderança do Congresso, agora sob comando do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) e do senador Davi Alcolumbre (União-AP), ambos alvo de denúncias sobre o destino de suas emendas.

A questão da transparência das emendas Pix é uma das mais evidentes, mas talvez não seja a mais grave, argumenta o analista Humberto Nunes Alencar, do Ministério do Planejamento, autor de uma tese de doutorado sobre o tema. Para ele, o maior impacto está nas políticas de longo prazo.

“O problema é a falta de planejamento”, afirma. O fato de as emendas Pix não estarem atreladas a metas do PPA (Plano Plurianual), que orienta a elaboração dos Orçamentos anuais, as torna desvinculadas da gestão pública.

O analista observa que há tentativas de melhorar o rastreamento dos recursos, mas ainda não foram testadas. “Foi incluída na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) uma série de dispositivos para que os municípios sejam mais transparentes”, diz.

As emendas Pix foram incorporadas à Constituição em 2019, a partir de uma proposta apresentada originalmente pela presidente do PT, a deputada Gleisi Hoffmann (PR).

Alencar também descreve em sua tese os diversos problemas decorrentes da opacidade. Ele compara a aplicação das emendas entre 2020 e 2023, mostrando que municípios pequenos são muito mais contemplados. “Essa discrepância no Brasil é clara. Quem vai verificar o que acontece com o dinheiro em uma cidadezinha distante?”, questiona.

Fonte: Folhapress

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