Estudo alerta para o aumento de cursos de pós-graduação em medicina

A Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e a Associação Médica Brasileira (AMB) divulgaram um extrato da pesquisa “Demografia Médica no Brasil 2025”, antecipando dados sobre os cursos de especialização médica.

De acordo com os pesquisadores, 41,2% dos cursos de especialização médica no Brasil, na modalidade Pós-Graduação Lato Sensu (PGLS), são totalmente a distância. Outros cursos são oferecidos na modalidade de ensino a distância (EAD), e 11,1% em regime semipresencial.

Esse dado ganha importância porque, para as entidades envolvidas, há uma perda significativa de qualidade na formação dos estudantes, o que motivou a divulgação antecipada do estudo. A versão completa da pesquisa será publicada em 2025.

Os pesquisadores analisaram 2.148 cursos de PGLS em medicina oferecidos por 373 instituições e descobriram que os cursos exclusivamente EAD têm duração média de 9,7 meses, em comparação com 15,4 meses para cursos presenciais e 13,9 meses para cursos semipresenciais. A maioria dos cursos EAD está concentrada em instituições privadas (90%) e na região Sudeste (60%), sendo 32,8% apenas em São Paulo.

O levantamento sugere uma preocupação com a prática predatória, onde cursos se apresentam como especialidades médicas e podem induzir erros tanto na população quanto entre profissionais.

No Brasil, o título de especialista é reservado a quem completa a formação em Residência Médica (RM), que dura de dois a cinco anos e é credenciada pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM/MEC) ou pelas sociedades de especialidades filiadas à AMB. Em contraste, as PGLSs só exigem registro no Ministério da Educação junto a uma Instituição de Ensino Superior cadastrada, e alguns cursos cobram até R$ 30 mil dos estudantes.

Para o Dr. Mário Scheffer, professor do Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP e coordenador da pesquisa, o aumento da oferta de cursos tem uma relação direta com a expansão descontrolada de escolas médicas, sem correspondente aumento de vagas para residência médica. “É necessário regulamentar e definir o papel desses cursos, separando o que é realmente útil e ampliando a Residência Médica”, explicou.

O estudo revela que os cursos de PGLS frequentemente usam nomenclaturas similares às especialidades médicas reconhecidas, o que pode causar confusão quanto à sua validade e propósito. A partir dos dados analisados, não está claro qual é a identidade e a função dos cursos de PGLS na formação dos médicos.

Os cursos de PGLS são frequentemente confundidos com especializações mais exigentes, criando uma falsa impressão de qualidade. Os Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) emitem o Registro de Qualificação de Especialista (RQE) apenas para médicos que completaram a RM ou obtiveram o título pela AMB. Médicos com apenas certificados de PGLS não podem se apresentar como especialistas. O estudo estima que, em 2024, cerca de 200 mil médicos no Brasil não possuíam título de especialista.

Essa discrepância entre a formação especializada e a oferta de RMs permite um uso questionável de alguns cursos Lato Sensu. Dos 2.148 cursos analisados, 1.943 (90,5%) tinham sua modalidade de ensino identificada. Dentre esses, 927 cursos (47,7%) eram presenciais, 800 cursos (41,2%) eram EAD e 216 (11,1%) eram semipresenciais. As especialidades médicas com maior número de cursos a distância foram endocrinologia e metabologia (106 cursos), hematologia e hemoterapia (63 cursos), radiologia e diagnóstico por imagem (56 cursos) e medicina do trabalho (56 cursos).

O caráter comercial desses cursos também é evidente, com muitos sendo oferecidos por grupos empresariais que possuem escolas médicas, cursos preparatórios para residência, plataformas digitais, telemedicina e outros serviços. Esses grupos são conhecidos como “ecossistemas de educação médica” ou “one-stop shop para médicos” e têm conexões com planos de saúde, hospitais privados e a indústria farmacêutica.

Essa disparidade contribui para o afastamento dos profissionais formados do Sistema Único de Saúde (SUS). Para Scheffer, os cursos de PGLS são majoritariamente privados e voltados para o mercado, sem conexão com as prioridades do SUS. Ele destaca a necessidade de mais investimento em Residência Médica em áreas críticas como saúde mental, onde há demanda crescente.

Além disso, alguns egressos têm buscado a equivalência para o título de especialista por meio de ações judiciais, com algumas vitórias registradas, embora o número exato não tenha sido especificado pelos pesquisadores.

O presidente da AMB, Dr. Cesar Eduardo Fernandes, alerta que a má-formação médica está impactando negativamente a qualidade do atendimento aos pacientes. “Não se faz especialista em um curso de final de semana ou em ensino a distância. É necessário um aprendizado prático sólido para adquirir as competências necessárias para ser registrado como especialista”, afirma. Ele defende a criação de um exame de proficiência para garantir a qualidade da formação e a segurança da população.

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