Por causa de lei antiaborto, grávida é mantida viva por aparelhos até nascimento do bebê

Uma mulher declarada com morte cerebral desde fevereiro está sendo mantida em suporte vital em um hospital da Geórgia, nos Estados Unidos, para permitir o desenvolvimento de seu feto — uma decisão baseada na rígida legislação estadual que proíbe o aborto após a detecção dos batimentos cardíacos do embrião, geralmente por volta da sexta semana de gestação.

Adriana Smith, de 30 anos, era enfermeira e estava grávida de cerca de nove semanas quando sofreu uma grave emergência médica. Segundo a família, ela foi levada ao hospital após fortes dores de cabeça, inicialmente recebeu alta, mas, no dia seguinte, foi internada com coágulos cerebrais e acabou sendo declarada com morte cerebral. Desde então, permanece ligada a aparelhos, enquanto os médicos aguardam que o feto atinja ao menos 32 semanas de gestação.

A decisão de manter Smith viva artificialmente foi tomada com base na legislação da Geórgia, que reconhece o feto como pessoa com direitos legais. De acordo com especialistas, o caso levanta sérias questões sobre consentimento médico, autonomia da paciente e os limites legais da medicina em estados com leis restritivas ao aborto, especialmente após a revogação do precedente federal Roe v. Wade.

A mãe da paciente, April Newkirk, afirma que a família não teve oportunidade de escolher. “Essa decisão deveria ter sido nossa”, disse, descrevendo a situação como “tortura”, especialmente para o filho pequeno de Smith, que a visita no hospital.

Incertezas médicas e legais

Casos de manutenção prolongada de suporte vital em pacientes com morte cerebral tão no início da gravidez são raros e, segundo especialistas, não há muitos registros de sucesso em partos saudáveis nessas circunstâncias. A maioria dos precedentes envolve gestações em estágios mais avançados.

A legislação da Geórgia permite que pacientes expressem preferências sobre cuidados médicos em diretivas antecipadas. No entanto, essas orientações não são aplicáveis a mulheres grávidas se o feto ainda não for viável fora do útero — o que ocorre geralmente após a 23ª semana. Não se sabe se Smith havia deixado instruções formais.

Após a repercussão do caso, autoridades republicanas locais alegaram que a legislação estadual não obriga a manutenção do suporte vital em pacientes com morte cerebral e que interrompê-lo não seria considerado aborto. Por outro lado, o senador estadual Ed Setzler, autor da lei que proibiu o aborto após a detecção de batimentos cardíacos, defendeu a conduta do hospital, afirmando que “cada vida humana tem valor”.

Debate ético e impacto na autonomia das mulheres

Para juristas e profissionais de saúde, o caso evidencia as complexidades éticas e legais que surgem quando o estado interfere em decisões médicas envolvendo gestantes. Farah Diaz-Tello, advogada da organização If/When/How, destacou que as novas leis restringem a autonomia das mulheres e colocam médicos e famílias em situações de extremo sofrimento e incerteza.

“O que vemos aqui é uma gestação transformada em uma experiência assustadora de perda de dignidade para a paciente”, afirmou Diaz-Tello.

A situação de Adriana Smith reabre um debate nacional sobre os limites do cuidado médico em contextos legais restritivos, os direitos da família e da paciente, e o futuro do atendimento a mulheres grávidas em estados com legislação antiaborto cada vez mais rígida.

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