Eventos climáticos impulsionam aumento de casos de febre oropouche, aponta estudo

Eventos climáticos extremos estão entre os principais fatores por trás do crescimento expressivo dos casos de febre oropouche na América Latina, segundo um estudo publicado na revista científica The Lancet. A pesquisa analisou dados de seis países da região, incluindo o Brasil, e alerta para o risco crescente de surtos da doença.

“O risco de infecção provavelmente evoluirá de forma dinâmica nas próximas décadas, com potencial para surtos futuros em grande escala”, destacam os autores do estudo.

No Brasil, a febre oropouche era até recentemente considerada uma doença endêmica da Região Amazônica, com poucos casos isolados em outras partes do país. No entanto, desde 2023, o número de registros tem aumentado significativamente, com notificações inéditas em diversos estados. O salto foi expressivo: de 833 casos confirmados em 2023 para 13.721 em 2024, incluindo pelo menos quatro mortes. Somente até 15 de abril deste ano, o Ministério da Saúde já confirmou 7.756 infecções, com uma morte em investigação.

A febre oropouche é uma arbovirose provocada pelo Orthobunyavirus oropoucheense, transmitido pelo mosquito Culicoides paraensis, popularmente conhecido como maruim. Esse inseto costuma habitar áreas quentes e úmidas com vegetação densa.

Os sintomas são semelhantes aos da dengue e incluem:

  • Febre alta;
  • Dor de cabeça intensa;
  • Dores musculares.

Doença subnotificada

O estudo, de abordagem multidisciplinar, analisou mais de 9.400 amostras de sangue coletadas entre 2021 e 2022, tanto de pessoas saudáveis quanto de pacientes com febre. Os métodos aplicados foram variados, incluindo testes sorológicos, moleculares, genômicos e in vitro. Os dados foram combinados a registros de casos da doença em toda a América Latina, gerando uma modelagem espacial precisa da disseminação do vírus.

A taxa média de detecção de anticorpos IgG — que indicam infecção prévia pelo vírus — foi de 6,3%, chegando a ultrapassar 10% em áreas da Amazônia. Amostras positivas foram encontradas em 57% das localidades analisadas, sugerindo que a doença tem sido amplamente subnotificada.

Os pesquisadores levantam a hipótese de que muitos casos de febre oropouche tenham sido diagnosticados erroneamente como dengue, devido à semelhança nos sintomas e à falta de testes específicos disponíveis.

Papel das mudanças climáticas

A análise também revelou que fatores climáticos, como alterações nos padrões de temperatura e precipitação, contribuíram com cerca de 60% da propagação da doença. Eventos como o El Niño, que influenciam diretamente essas variáveis, provavelmente tiveram um papel central no surto iniciado em 2023.

O artigo explica que o aquecimento e a umidade favorecem a proliferação do maruim, além de potencializar a transmissão do vírus entre os insetos e seus descendentes, e até mesmo intensificar sua replicação em outros hospedeiros.

Regiões sob maior risco

A modelagem espacial desenvolvida pelo estudo apontou que o risco de transmissão tende a ser mais elevado em áreas costeiras, especialmente entre o Espírito Santo e o Rio Grande do Norte. Também há alerta para uma faixa central que vai de Minas Gerais ao Mato Grosso, além de toda a Região Amazônica.

“Nas regiões com risco elevado de transmissão do OROV, mesmo onde ainda não há casos registrados, o aumento da vigilância é fundamental para entender e responder de maneira eficaz aos surtos atuais e futuros”, alertam os pesquisadores.

Entre as recomendações do estudo estão a ampliação dos testes diagnósticos específicos para a febre oropouche e a adaptação das estratégias de controle de vetores — atualmente voltadas principalmente ao Aedes aegypti — para também combater o maruim. Os autores reforçam ainda a necessidade de mais pesquisas sobre a doença e o desenvolvimento de uma vacina.

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