Próxima pandemia deve acontecer no setor da agricultura

Em 11 de março de 2020, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, declarou a existência de uma pandemia global devido à disseminação do novo coronavírus (Sars-Cov-2). Ao longo de três anos, essa doença ceifou a vida de aproximadamente 15 milhões de pessoas em todo o mundo, de acordo com o último balanço da OMS, até que a situação pandêmica fosse controlada por meio de uma campanha maciça de vacinação.

Apesar dos aspectos negativos da pandemia, ela também impulsionou avanços na ciência e na saúde, acelerou a adoção do trabalho remoto e da educação online, aumentou a conscientização sobre a importância da saúde pública, promoveu a digitalização da economia, estimulou inovações tecnológicas e estabeleceu novos protocolos de saúde e higiene.

No entanto, nem tudo mudou. Em 2020, um relatório divulgado pela Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES) já havia vinculado as práticas que contribuem para as mudanças climáticas ao surgimento de novas doenças virais. Um artigo publicado na revista “Estudos Avançados” enfatizou a necessidade de transformações profundas na abordagem global ao desenvolvimento sustentável e na maneira como o planeta administra seus recursos naturais, uma vez que os vírus fazem parte da biodiversidade e prosperam em regiões com desigualdades socioeconômicas e alterações ambientais.

Se os países adotassem uma postura adequada em relação ao aquecimento global e à exploração intensiva dos recursos naturais, poderiam potencialmente prevenir o surgimento de novas pandemias relacionadas à agricultura, como alertaram especialistas.


Produzindo demais

Desde a segunda metade do século XX, quando ocorreram surtos de doenças relevantes na era moderna, tornou-se evidente que é necessário repensar as interações humanas com os animais, pois as epidemias estão frequentemente ligadas à criação de animais e à indústria alimentícia. De 1970 até o presente, surgiram aproximadamente 500 novas doenças zoonóticas, como a gripe aviária, o ebola, o vírus Nipah, o HIV, o zika e até mesmo a COVID-19.

Os seres humanos nunca estiveram tão próximos dos patógenos de outras espécies, devido ao aumento da criação intensiva de animais. Em 2018, o centro de estudos Faunalytics estimou que mais de 70 bilhões de animais terrestres são abatidos para a indústria de carne. A organização Global Agriculture apontou que 60% das terras agrícolas do mundo são dedicadas à produção de carne, apesar de representar menos de 2% das calorias consumidas globalmente.

Para manter a produção em larga escala, a indústria da carne precisa confinar milhares de animais em ambientes lotados e não naturais, criando condições ideais para a incubação e disseminação de patógenos. Essas fazendas industriais se tornaram verdadeiros “berçários” de doenças, onde os patógenos se multiplicam e se espalham entre as populações de animais, podendo atingir os seres humanos de forma mais virulenta. Isso é o que desencadeia surtos que podem evoluir para epidemias e, eventualmente, alcançar o status de pandemia.

Um estrago sem precedentes

Esse modelo de produção em busca de alto rendimento é predominante em toda a cadeia de produção de alimentos, mas é particularmente visível na indústria pecuária. No entanto, a agricultura também enfrenta riscos crescentes desde o século passado devido à uniformidade genética de culturas em grande escala. Conforme a agricultura se torna mais intensiva e dependente de monoculturas, a vulnerabilidade a surtos de doenças aumenta.

Enquanto os sistemas agrícolas continuarem a depender da monocultura, a crise tende a se agravar, visto que, como mencionado pelo professor Miguel Altieri, a uniformidade genética cria amplificação de riscos em vez de diluição. A incorporação da biodiversidade na agricultura em grande escala é essencial para mitigar os riscos de futuras pandemias relacionadas à agricultura e evitar consequências catastróficas para a segurança alimentar e econômica global, especialmente em um contexto de mudanças climáticas que afetam a distribuição de patógenos e a interação com espécies vegetais. Isso foi evidenciado em episódios passados, como o surto de 1970 nos Estados Unidos, quando um fungo devastou as plantações de milho devido à uniformidade genética.

Embora esse padrão uniforme ofereça alta produção, ele também aumenta a suscetibilidade a doenças. Assim, a diversificação e o uso de práticas agrícolas mais sustentáveis se tornam cruciais para evitar futuras pandemias e garantir a segurança alimentar global.

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