Plenário do TCU aprova primeira etapa da privatização da Eletrobras
Aval abre caminho à continuidade da venda; voto divergente que poderia travar operação foi rejeitado
Em uma vitória para o governo Jair Bolsonaro, o plenário do TCU (Tribunal de Contas da União) aprovou nesta terça-feira, 15, a primeira etapa para o avanço da privatização da Eletrobrás, rejeitando uma proposta divergente que, na prática, ampliaria o valor a ser pago pela estatal de energia à União e dificultaria a efetivação da venda ainda neste ano.
A maioria dos ministros acompanhou o relator, Aroldo Cedraz, que estipulou o valor do bônus em R$ 25,3 bilhões a ser pago pela companhia pela renovação de contratos de hidrelétricas que hoje operam no regime de cotas, remuneradas o suficiente apenas para cobrir custos de operação e manutenção.
A proposta foi aprovada por cinco a um. Um sétimo voto, do agora ex-ministro Raimundo Carreiro, já havia sido favorável à privatização, mas está sendo contabilizado à parte porque o relator fez ajustes de última hora em seu voto.
A possibilidade de um recálculo do valor de outorga, com ampliação de cerca de R$ 34 bilhões, era um dos pontos de maior preocupação para integrantes do governo, mas acabou sendo tratada como recomendação. Esse cenário permite o avanço na privatização sem maiores imprevistos em termos de prazo.
Convocação
A assembleia geral extraordinária de acionistas da Eletrobras para deliberar sobre a capitalização da companhia – operação em que a participação da União será diluída, e os acionistas privados se tornarão maioria– está convocada para 22 de fevereiro.
Por isso, a manifestação do TCU é considerada essencial para dar maior segurança às próximas etapas do processo, que incluem a modelagem da operação e a oferta de ações. Esses passos precisam ser concluídos até 13 de maio. Até lá, uma segunda etapa, que analisará o modelo da operação, também precisará passar pelo crivo da corte de contas. “[Espero] Que o acórdão possa trazer efeitos positivos em relação ao desenvolvimento do nosso país e também da necessária proteção dos consumidores de energia elétrica”, disse Cedraz em suas considerações finais.
O valor da outorga esteve no centro de uma controvérsia, diante do voto divergente do ministro Vital do Rêgo. Ele argumentou que seria necessário incorporar a capacidade de entrega rápida de energia por essas usinas em horários de pico –chamada de potência no jargão do setor.
Nas palavras do ministro, seria “inexplicável e ilegal” excluir do cálculo do valor da outorga a mensuração da potência dessas usinas, uma vez que isso amplia o potencial de receitas futuras da Eletrobras. Assim, a companhia seria mais valiosa que o considerado pelo governo.
Além do “fator potência”, Vital do Rêgo também apontou outras “ausências” no cálculo feito pelo governo. O principal é o risco hidrológico, a quantidade de chuvas que compromete o nível de água dos reservatórios e que impacta na capacidade de geração, afetando o preço da energia.
Segundo o ministro, haverá também um impacto no bolso do consumidor e que não pode ser ignorado. Hoje, o preço médio do MWh (megawatt-hora) das usinas cotizadas da Eletrobras é de R$ 65 ante R$ 194 cobrados pelas usinas que vendem energia livremente no mercado. No ambiente regulado (consumidores residenciais, por exemplo), essa média é de R$ 275.
Ou seja, quando as usinas deixarem de produzir sob cotas (com subsídios), passarão a vender no mercado livre no preço mais elevado.
O governo projetou o valor atual das outorgas pela renovação dos contratos das hidrelétricas da Eletrobras para R$ 67 bilhões, dos quais R$ 25,3 bilhões irrigariam diretamente os cofres do Tesouro Nacional.
Segundo Vital do Rêgo, com a incorporação da potência dessas usinas e dos demais fatores desconsiderados pelo governo, a cifra seria de R$ 130,4 bilhões –uma subavaliação da ordem de R$ 63 bilhões. A fatia devida ao Tesouro, por sua vez, deveria subir para R$ 57,2 bilhões.
O ministro propôs uma determinação para o governo refazer o cálculo, mas não recebeu apoio do plenário. Como as determinações precisam ser necessariamente cumpridas, uma orientação nesse sentido acabaria dificultando a privatização da Eletrobras ainda no ano de 2022.
“A unidade técnica falou da potência, o MPTCU determinou que isso seja incluído nas receitas, o relator citou que os ganhos serão extraordinários nas usinas abrangidas pela lei, e nós vamos vender a Eletrobras, desestatizar a Eletrobras, sem o componente potência? A própria Eletrobras considera que a comercialização de potência será um de seus principais produtos”, disse o ministro.
“Acho que esse erro deve ser corrigido antes da assinatura dos contratos, para evitar que perpetuemos esse erro por 30 anos”, afirmou Vital do Rêgo.
O ministro Benjamin Zymler, por sua vez, chegou a propor uma determinação para que seja incluída uma cláusula no contrato possibilitando uma revisão futura dos valores a serem pagos à União, com repasses adicionais caso a Eletrobras passe a auferir receitas maiores a partir da comercialização da potência das usinas.
“Suscito a possibilidade de incluir no contrato de conversão das concessões uma cláusula que estabeleça possibilidade de repartição de riscos e oportunidades em função da regulamentação do mercado de potência, se ele realmente for implementado e se realmente a nova Eletrobras começar a vender potência e auferir receitas”, disse Zymler.
“É claro que isso é um risco, coloca uma situação de risco para a privatização”, reconheceu o ministro em seguida.
Zymler afirmou ainda compartilhar da percepção de Vital sobre a avaliação da companhia. “Ainda não estão num nível de maturidade adequado as contas para a privatização da Eletrobras. Se a Eletrobras fosse minha, eu não privatizaria com essas contas”, disse. Mesmo assim, Zymler decidiu acompanhar o voto de Cedraz, sem impor nenhum revés ao governo.
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