Carros usados: por conta de grande procura, motoristas esperam até quatro meses por peças

Alta na venda de veículos de segunda mão gera mais procura por oficinas, mas faltam componentes

A escassez de componentes e o encarecimento dos insumos, problemas sentidos pelas montadoras ao longo de 2021, devem afetar mais os consumidores em 2022.

No último ano, a falta de automóveis novos para pronta entrega fomentou uma alta de 18,8% nas negociações de carros usados em relação ao ano anterior. Seja para conseguir um melhor valor ao vender ou pela necessidade de fazer revisões e reparos após comprar, tais veículos demandam peças.

Os números do Sindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores) refletem essa procura. Em 2020, as vendas dos fabricantes de componentes para o segmento da reposição somaram R$ 24,6 bilhões, o que representou 19,5% do faturamento total do setor.

Os dados de 2021 estão sendo fechados, mas a estimativa mostra que o valor subiu para R$ 32,3 bilhões. O crescimento poderia ser ainda maior, caso não existissem tantos senões.

“Houve aumento da demanda, mas temos uma situação limitada por problemas de insumos e questões logísticas, com dificuldades de abastecimento afetando todo o mundo”, diz George Rugitsky, diretor de economia do Sindipeças. “Todos os distribuidores têm atrasos.”

Esses atrasos resultam em problemas como o de Fabricio Fudissaku, especialista em tendências de comportamento do consumidor. Ele esperou 55 dias até receber o console central do painel de seu Hyundai Creta 2018. A peça, que é feita de material plástico, havia sido furtada junto com a central multimídia do carro.

Em nota, a Hyundai Motor do Brasil explica que o atraso na entrega foi um caso isolado e ocorreu devido à necessidade de importação a partir da Coreia do Sul de itens de baixo giro – e também por consequência das dificuldades logísticas globais em função da pandemia.

Os problemas logísticos mencionados pela Hyundai surgiram ainda em 2020, logo após a pandemia de Covid-19 forçar o fechamento de portos e aeroportos.

“A indústria automobilística absorveu o impacto, pois o primeiro reflexo foi a queda nas vendas e na utilização de veículos, que levaram ao cancelamento dos contratos de fornecimento”, diz Frederico Favacho, advogado especialista em logística e sócio do escritório Santos Neto.

Demanda por contêineres provocou desarranjo na cadeia logística, diz especialista

Desarranjo da cadeia
Favacho afirma que esse primeiro impacto durou de dois a três meses, até que as atividades começaram a ser retomadas mundo afora por meio do agronegócio e, em seguida, pelo aumento da procura por equipamentos eletrônicos. Houve um retorno abrupto da demanda por contêineres, e então ocorreu o desarranjo da cadeia logística.

O especialista explica que, logo no início da pandemia, registrou-se uma queda acentuada no preço do transporte em contêineres. Em outubro de 2019, o frete de uma unidade com capacidade para carregar 20 toneladas era de 1.450 dólares. Poucos meses depois, o valor havia caído para 800 dólares.

Mas o desconto durou pouco. A retomada do transporte marítimo ocorreu de forma acelerada e novas rotas surgiram, o que resultou na escassez dos contêineres. Houve casos em que eram despachados com equipamentos de combate de Covid-19 e, sem mercadoria para trazer de volta, ficavam parados em portos de países sem tradição exportadora.

“Os fretes chegaram a 12 mil dólares [20 toneladas] entre dezembro e janeiro, mas deram uma pequena retraída em seguida, retornando a 10 mil dólares”, diz Favacho. Ele acredita que os preços seguirão em alta por mais algum tempo, mas devem começar a ceder ainda neste ano.

Se o transporte ficou mais caro, as mercadorias seguiram o mesmo caminho. E, no caso da indústria automotiva, não foi apenas isso. “Tem acontecido alguns aumentos, com um encarecimento maior dos lubrificantes semissintéticos e de outros produtos à base de petróleo”, diz Charles Rafael Barros dos Anjos, proprietário da loja de autopeças Modelo T, no Rio. Nesse caso, o problema se deve a cotações internacionais, da mesma forma como ocorre com o diesel a gasolina.

As altas do aço elevaram os valores de partes da lataria e de componentes dos motores, e ainda há escassez. Quanto mais antigo o carro, maiores são os atrasos na entrega.

Por conta das altas vendas de carros usados, oficinas mecânicas vivem um bom momento

Alta demanda
As oficinas vivem um bom momento devido à alta nas vendas de carros usados. Com a dificuldade na entrega de veículos novos, a frota envelheceu nos últimos dois anos, o que aumenta a procura por manutenção. As margens das oficinas, contudo, estão estranguladas pela alta nos preços dos insumos.

“O quilo do estanho usado nas soldas, por exemplo, passou de R$ 100 para R$ 250 nos últimos meses”, diz Márcia Donha, proprietária da MSD Garage, de São Bernardo do Campo (Grande São Paulo). “Sentimos falta de alguns materiais no fim do ano, mas percebo que o mercado está se acomodando.”

Essa acomodação deve ocorrer ao longo de 2022, mas empresários do setor de automóveis usados ainda apostam no crescimento das vendas. “Nosso mercado cresceu 30% entre 2020 e 2021, e espero uma alta de 20% em 2020”, afirma Márcio Leitão, presidente-executivo da BMZ Concessionárias Digitais.

Já Enilson Sales, presidente da Fenauto (associação dos revendedores de veículos usados), acredita que 2022 será “um ano desafiador”. Além de a crise sanitária ainda não ter terminado, os resultados de janeiro indicam desaceleração: “Temos preocupações com o aumento da inflação, as oscilações do câmbio e, para concluir, estamos em um ano eleitoral, que sempre mexe com o humor da economia”.

Enquanto o mercado de compra e venda se ajusta, os fornecedores tentam retomar a normalidade para abastecer tanto as montadoras como o mercado de reposição.

“A grande questão foi que, no início da pandemia, as empresas não sabiam o que iria acontecer. Precisavam defender o caixa e evitar estoques excessivos, já que as montadoras estancaram totalmente a produção por imaginar que a demanda viria baixa após o momento mais crítico da pandemia”, afirma George Rugitsky, do Sindipeças.

Com informações da Folha de São Paulo

Comments

Be the first to comment on this article

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Go to TOP